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JARDIM BOTÂNICO DE MANAUS ADOLPHO DUCKE

01/06/2020 23:33

 

Por:

Ercilene do Nascimento Silva de Oliveira

Augusto Fachín Terán

 

Introdução

 

Quando se pensa em um jardim botânico o que vem a sua mente? Um espaço para o lazer? Um ambiente florido? Um local para pesquisas científicas? Um lugar para aprender mais sobre o meio ambiente e outros temas educacionais? Podemos ratificar que é tudo isso e muito mais. Eles surgiram no século XVI, na Europa, não com o intuito de contemplação da natureza, mas com fins de estudo de plantas medicinais e o propósito de estudar a capacidade terapêutica. O primeiro Jardim Botânico do mundo que se tem relato foi criado em Pádua, na Itália, em 1545 (https://www.ortobotanicopd.it/).

Desde 1997, o jardim italiano está na lista dos ambientes considerados Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO). No documento, a instituição estabelece a razão para tal deliberação, pois ele: “Ainda preserva seu layout original – um terreno central circular, simbolizando o mundo, cercado por um anel de água. Outros elementos foram adicionados posteriormente, alguns arquitetônicos (entradas e balaustradas ornamentais) e outros práticos (instalações de bombeamento e estufas). Continua a servir seu propósito original como centro de pesquisa científica” (https://whc.unesco.org/en/list/824).

No Brasil, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro tornou-se o primeiro do País. Criado em 14 de junho de 1808, surgiu com a ideia do príncipe regente, D. João, de conceber um local para uma fábrica de pólvora e um jardim para espécies vegetais de outras partes do mundo. Na atualidade, o local representa um dos mais importantes centros de estudos mundiais em pesquisas botânicas e da biodiversidade (https://jbrj.gov.br/jardim/historia).

 

JARDIM BOTÂNICO DE MANAUS ADOLPHO DUCKE

Na capital amazonense, está o maior fragmento de floresta primária em área urbana do país. Trata-se da Reserva Florestal Adolpho Ducke, com 100.000 hectares de mata preservados. Desde a década de 40, o então botânico italiano, que dá nome ao local, iniciou suas pesquisas e vislumbrou o lugar como ambiente para estudos destinado às futuras gerações (MIRANDA, 1999). Adolpho Ducke descreveu mais de 900 espécies botânicas novas durante os anos que atuou como pesquisador no Brasil. O naturalista sugeriu junto com outros estudiosos, na década de 50, a preservação de uma área próxima a Manaus, para estudos científicos. E, em 1956, o espaço se tornou um centro de pesquisas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Somente em 1962 a extensão de mata, localizada no quilometro 26 da rodovia estadual AM-10, foi doada pelo governo do Amazonas ao INPA, recebendo o nome de Reserva Florestal Adolpho Ducke (MIRANDA, 1999).

A reserva abriga o Jardim Botânico de Manaus e o Museu da Amazônia (Musa), cujos objetivos, de acordo com seu estatuto de criação, são desenvolver e administrar programas e projetos de museologia, pesquisa, educação e turismo. É também um ambiente dedicado a pesquisa e a divulgação da Ciência (https://museudaamazonia.org.br/pt/). O Musa é um espaço não formal com potencial para o estudo do meio ambiente.

 

Entrada do Jardim Botânico

 

A Educação Ambiental (EA) no Brasil está prevista como norma legal desde 1999 quando foi publicada a lei nº 9.795 com as disposições sobre as práticas para a EA e também a criação da política nacional para a área ambiental onde em seu artigo 1º está descrito ser a EA um processo pelo qual “o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (BRASIL, 1999). E se a Educação Ambiental é um direito de todos, dar divulgação à sociedade sobre os lugares onde é factível estar mais perto da natureza é um dever de quem pratica a Ciência.

Os museus são locais não formais onde é possível ter este aprendizado e, desde 30 de novembro de 2017, com a portaria de nº 422, o documento norteador para práticas pedagógicas nestes ambientes, é a Política Nacional de Educação Museal (PNEM). No manuscrito, estão listados os aspectos ratificadores para aprender em um museu, sendo, dentre eles, os conteúdos apresentados, as metodologias oferecidas, a aprendizagem e a experimentação possíveis nos ambientes (BRASIL, IBRAM, 2018).

 

Antiga exposição de toras - Foi desativada

 

Os espaços não formais são objetos de estudo para as práxis pedagógicas por pesquisadores de diversas áreas, em especial da educação e do ensino, com a oferta de propostas com diversas temáticas para aplicação da educação infantil ao ensino superior. No livro “Ensino de Ciências em Espaços Não Formais Amazônicos” Cascais & Fachín-Terán (2014, p. 209), pesquisadores do Grupo de Estudo e Pesquisa de Educação em Ciências em Espaços Não Formais (GEPECENF), listam alguns ambientes institucionalizados de Manaus, onde as práticas podem ocorrer. Dentre eles estão: o Parque Municipal do Mindu, o Zoológico do CIGS, Parque Estadual Sumaúma, O Bosque da Ciência do INPA, a Reserva Florestal Adolpho Ducke e do Jardim Botânico de Manaus Adolpho Ducke.

 

Estudantes do Mestrado em Educação e Ensino de Ciências da UEA - Turma 2008

 

Articulando sobre o potencial pedagógico do Musa, vamos detalhar pesquisas científicas e os ambientes possíveis de conhecer e interagir neste espaço que se intitula como “um museu vivo”, onde a floresta é o cenário principal de visitação e os atores deste espetáculo natural compõem a fauna e flora amazônicas presentes neste importante fragmento de floresta, vizinho ao bairro Jorge Teixeira.

O Musa só não abre às quartas-feiras. Nos demais dias, o horário de funcionamento é das 08h30 às 17h (no entanto, o portão de acesso fecha às 16h). As visitas com guias tem o valor de R$ 50,00 e precisam de agendamento no e-mail agendamento@museudaamazonia.org.br. Sem guia, custam R$ 30,00 e não precisam agendar. As crianças com menos de 5 anos tem acesso gratuito, desde que estejam acompanhadas dos pais pagantes. Há o benefício da meia entrada para estudantes, idosos brasileiros e moradores de Manaus integrantes do Programa Nosso Musa (prerrogativa ofertada a pessoas que comprovam domicílio na capital amazonense).

Para chegar ao nosso destino, uma das rotas de fácil acesso é pela Avenida Torquato Tapajós, dobrando a direita após o Hospital Delfina Aziz, e seguindo como se fosse ao Shopping Via Norte, o visitante percorrerá a Avenida Margarita até encontrar a rotatória, ponto de confluência para a portaria de acesso ao Musa Jardim Botânico de Manaus.  É neste cenário que começa a visitação: de um lado a urbanização de um dos bairros mais populosos da capital amazonense e, do outro, a floresta preservada.

Logo na entrada, o visitante deixará informações como o nome, a idade e a procedência. Em seguida, encontrará uma enorme tenda onde se faz o receptivo de acesso com vários painéis no qual é possível conhecer um pouco da história de criação do Musa, as exposições presentes no local, os acervos científicos catalogados e o mapa com todas as estações possíveis de visitar.

 

Tenda de exposição

 

A partir deste ponto, segue-se as diversas trilhas científicas onde o visitante poderá percorrer ambientes diversos tendo a floresta como cenário do museu, e cujo olhar pode ser assestado com óculos onde o mundo natural se apresenta por infinitas possibilitadas como bem nos lembra o mestre Chassot, um dos grandes estudiosos da alfabetização científica. Na visão de Chassot (2016, p.33), assestar é apontar nosso olhar como se usássemos óculos capazes de ver o mundo sob o prisma de um microscópio, de um binóculo ou um telescópio, no qual a Ciência não é revelada, e sim construída por pessoas como os cientistas, que ajudam a compor cenários como os museus científicos. São esses óculos da natureza que possibilitarão a leitura deste mundo desconhecido. O estudioso enfatiza a importância do olhar experiente nestes momentos para ajudar na compreensão do novo, nestes ambientes de visita e descobertas. A visão experiente pode ser do cientista ou do professor que conduz uma prática em um destes ambientes. Diz o autor: “a Ciência é uma construção coletiva e não produto de rasgos de genialidade” (CHASSOT, 2016, p. 59).

Este olhar científico foi tema de um estudo, em 2011, feito pelos pesquisadores Joeliza Nunes Araújo, Cirlande Cabral da Silva, Odilene Dias, Augusto Fachín Terán e Antonio Xavier Gil. Com o título “Jardim Botânico Adolpho Ducke: Uma Possibilidade para a Educação Científica na Amazônia”, os estudiosos discorreram sobre o uso do espaço para a promoção da educação científica na região e promoveram uma visita ao local a fim de explorar conteúdos didáticos de ecologia e botânica. Concluíram os autores que os diversos recursos bióticos e abióticos podem ser explorados em aulas práticas onde os pontos de visitação se transformam em fontes de saber vivo.

Essa interação com o meio ambiente é o grande atrativo do Musa. E uma das experiências apresentadas é  “micoturismo”, um projeto em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), e desenvolvido por meio do Programa de Apoio à Popularização da Ciência (https://www.fapeam.am.gov.br/alunos-da-rede-publica-participam-de-oficina-sobre-o-estudo-dos-fungos/). A ciência que estuda os fungos é a base deste modelo de observação onde o visitante poderá ver inúmeras espécies no percurso. O Tremella fuciformi pode ser notado em árvores perto do lago da vitória régia; e o Coprinellus sp. é visível na base da torre de observação do Musa.

Aliás, tanto o lago da vitória régia quanto a torre de observação são dois pontos imperdíveis de visitação no Musa. O primeiro apresenta em suas águas espécies das famosas vitórias-amazônicas (Victoria amazonica), uma flor que dura 48 horas. O espaço do lago foi um dos cenários da dissertação de mestrado “Alfabetização Ecológica usando os anfíbios anuros em espaços educativos”, de Renata Gomes da Cunha, com orientação do Dr. Augusto Fachín Terán, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Alunos da educação infantil participaram da pesquisa e no dia da visita tiveram a oportunidade de observar sapos bem de perto (CUNHA, 2018).

 

Lago da Vitória Régia

 

Torre de observação

 

Floresta Amazônica vista da torre de observação

 

E, para alcançar outro atrativo muito visitado no Musa, é preciso subir 242 degraus e alcançar 42 metros de altura, ou então observar a floresta em outros dois pontos: com 14 e 28 metros de altura. A visão de quem chega ao topo é deslumbrante: de um lado, no horizonte, a floresta se une à cidade, e do outro, segue seu curso em uma imensidão verde onde é possível ver a copa das árvores num grande tapete composto pelas árvores amazônicas (https://www.youtube.com/watch?v=hSoPn2aLBE8).

A visita ao Musa ainda inclui outras atrações: as exposições onde o conhecimento indígena dos povos Tukano, Dessana e Tuyuka do alto Rio Negro é apresentado por meio das armadilhas diversas de pesca confeccionadas com cipós da região; há ainda os viveiros instalados na mata onde é possível ver borboletas e insetos diversos da região, com espécies curiosas cuja camuflagem é um recurso para fugir do predador natural, como é o caso por exemplo, do Bicho-pau (Phasmatodea), que se esconde na natureza como se fosse a extensão de um galho de árvore.

 

Trilha interpretativa

 

Placa informativa

 

Dois laboratórios possíveis de visitar no Musa são o ambiente onde se estudam as serpentes, e, cuja parceria com a Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, permite ao visitante, por meio da educação, conhecer as pesquisas científicas desenvolvidas na região com estes animais peçonhentos (https://museudaamazonia.org.br/pt/2016/01/29/serpentes/). O outro espaço de visitação são os aquários onde estão peixes nobres e bastante conhecidos da Amazônia.

A diversidade de fauna e flora do Musa é imensa. Dentre as espécies possíveis de ver, estão:

Árvores e cipós

Angelim-pedra (Dinizia excelsa); Fruto de breu (Protium sp.) e Escalada-de-jabuti (Bahunia sp.);

Orquídeas e Bromélias

Acacallis  cyanea; Cathasetum  gnomus e Cattleya eldorado;

Palmeiras

Açaí (Euterpe oleracea) e Bacaba (Oenocarpus bacaba);

Flores

Jutairana (Cynometrabau  hiniifolia); Águapé (Eichhornia  crassipes) e Duguetia sp.;

Insetos

Cigarrinha (Fulgoridae), Louva-a-deus (Choeradodis  rhomboidea) e Bicho-folha (Pterochroza  ocellata);

Aracnídeos

Aranha-social (Anelosimus  eximius), a Aranha-de-chifre (Michathenas  chreibersi), Aranha-coração (Michathena  clypeata);

Peixes

Aruanã-branca (Osteoglossum  bicirrhosum); Piraboia (Lepidosiren  paradoxa) e Pirarucu (Arapaima gigas);

Rãs, sapos e pererecas

Sapo-cururu ou sapo-folha (Rhinella  proboscideus), Perereca-comedora-de-ovos (Osteocephalus  oophagus) e Rã-pipa (Pipa pipa);

Serpentes

Jiboia-arco-íris (Epicrates  cenchria); Suaçuboia (Corallus  hortulanus) e Jararaca-do-norte (Bothrops  atrox).

Lagartos

Lagarto-verde-de-cauda-espinhosa (Uracentron azureum), Iguana (Iguana iguana) e Lagarto (Arthrosaura  reticulata);

Aves

Anacã (Deroptyus  accipitrinus), Surucuá-de-cauda-preta (Trogon  melanurus), Tucano-grande-de-papo-branco (Ramphastos  vitellinus);

Mamíferos

Preguiça-de-betinho (Bradypus  tridactylus); Sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) e Tamanduaí (Cyclopes  didactylus);

Informações retiradas do site do Musa

 

Árvore de Angelim-pedra

 

O Musa tem uma unidade funcionando no centro de Manaus, perto de monumentos históricos, como o Teatro Amazonas, o Palácio da Justiça e a centenária igreja de São Sebastião. O Museu da Amazônia oferece uma exposição onde a cultura indígena é apresentada sob o olhar de artistas de etnias amazônicas com diversas lendas e mitos da região (https://museudaamazonia.org.br/pt/2016/01/29/o-que-e/).

O museu do Jardim Botânico de Manaus é um espaço não formal que interage com o público tanto na forma presencial quanto na virtual. O diálogo científico é possível em diversas mídias:

Em todas, com linguagem acessível, o museu interage com o público de formas diversas. Desde belíssimas fotos e vídeos, até palestras com temas diversos. Em uma delas, por exemplo, gravada em 2015, e acessível no canal do Youtube (https://www.youtube.com/watch?v=dVq1pUdBZVY), é possível assistir a uma conversa como Dr. Felippe  Bittioli, biólogo, especialista em ecologia, falando sobre o tema: “O que você não vê no Musa (mas pode tentar): a camuflagem”. Nele o pesquisador discorre sobre diversos animais exóticos que o público pode encontrar percorrendo as trilhas do Musa.

E é assim, com todo potencial para a alfabetização científica, a educação ambiental, o ensino de Ciências e a Divulgação Científica, que o Museu da Amazônia se apresenta como um grande laboratório ao ar livre onde é permitido experenciar múltiplas possibilidades de lazer, turismo e educação.

 

Referências:

 

ARAÚJO, Joeliza Nunes et al. Jardim Botânico Adolpho Ducke: Uma possibilidade para a educação científica na Amazônia. In: FACHÍN-TERAN, A.; SANTOS, S. C. S.(orgs.) Novas Perspectivas de Ensino de ciências em espaços não formais amazônicos. Manaus: UEA edições, p. 187-197, 2013.

 

BRASIL, Instituto Brasileiro de Museus. Caderno da Política Nacional de Educação Museal. Brasília, DF: IBRAM, 2018.

 

BRASIL, Lei nº 9.795 de 27 de abril de 1999: Dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providencias. Diário Oficial da União, Brasília, p. 1. Abril, 1999.

 

CASCAIS Maria das Graças Alves; FACHÍN-TERÁN, A. Visita ao jardim botânico de Manaus Adolpho Ducke: uma experiência extraclasse com alunos do 7º ano do ensino fundamental. In: Augusto Fachín-Terán; Saulo Cezar Seiffert Santos. (Org.). Ensino de Ciências em Espaços Não Formais Amazônicos. Curitiba, PR: CRV, 2014, p. 205-219.

 

CHASSOT, Attico. Das disciplinas à indisciplina. Curitiba: Appris, 2016.

 

CUNHA, Renata Gomes da. Alfabetização Ecológica usando os anfíbios anuros em espaços educativos. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação em Ciências na Amazônia) Universidade do Estado do Amazonas, 2018.

 

LEAL, Gyane Karol Santana; COSTA, Luana Monteiro da; FACHÍN-TERÁN, Augusto. Jardim Botânico de Manaus Adolpho Ducke: possibilidades pedagógicas para ensinar ciências na Amazônia. Areté (Manaus), v.7, n.13, p. 204-211, 2014.

 

MACIEL, Hileia Monteiro; FACHÍN-TERÁN, A. O potencial pedagógico dos espaços não formais da cidade de Manaus. Curitiba, PR: CRV, 2014. 128p.

 

MIRANDA, Ires Paula de Andrade. Adolpho Ducke: uma visão de conservação da Amazônia. Acta Amaz. Manaus. v.29, n.3, p. 501, setembro de 1999. Disponível em::https://www.scielo.br/pdf/aa/v29n3/1809-4392-aa-29-3-0501.pdf. Acessado em: 01 jun. 2020.

 

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